quarta-feira, 3 de agosto de 2016




navego em águas calmas
na sutileza de um rio a alargar suas margens, sem pressa
no grito sem desespero
num sopro tranquilo
o mínimo  tempero
o silêncio do grilo
a janela discreta a bater
no arrepio do fio
no menor gesto da menor mão a tremer
sobre a terra
sobre o corpo
pelo ar
na faísca dos dias
que de tantos, tão intensos, quase imensos
estremeço inteira,
só que mínima, múltipla e comum

terça-feira, 16 de dezembro de 2014



queria te dar todas as coisas que ainda existem
te encher de coisas
soterrar, entalar, te afundar em coisas
como existem coisas!

queria te enterrar em coisas
fechadas, sem uso, sem cheiro
coisas limpinhas sem poeira

intocáveis

queria te dar todas as coisas
visíveis, de plástico, os saltos, as roupas
todas as roupas em sua nuca
todos os saltos em sua boca

queria te entranhar em coisas
lisinhas, durinhas, sem gosto
coisas que não se pode comer de tão coisas

intragáveis


pra você deixar o vazio soar
pra você sentir saudades de respirar
pra você sentir fora da coisa

sábado, 22 de fevereiro de 2014

é sempre sobre o sentimento do mundo

é preciso rir até o esbugalhar dos olhos que de tão aflitos se interessam mais pela crueza do grito
é preciso rir até que a boca permaneça sempre aberta para que o mundo entre e nos encontre ainda vivos]
eu preciso rir um pouco além do corpo porque não me basta mais nem as duas mãos nem o sentimento do mundo

é preciso correr até que as pernas se abram frente a qualquer abismo que apareça - sem medo - e de tão abertas possam saltar qualquer fronteira
alcançar até mesmo o mais rápido dos covardes
eu preciso correr porque as vezes dançar é poético demais e o corpo não aguenta menos barbárie

é preciso rir até que as pernas se abram com ternura arejando os órgãos mais tímidos
é preciso rir dançar correr até que os órgãos mais tímidos percam o fôlego o contorno a ciência
eu preciso rir dançar correr pra perceber que a pele é  fronteira frágil e pouca - não é vidro - que o outro sempre o outro não existe só existe assim




domingo, 17 de fevereiro de 2013

Junho quando canta (primeiros poemas de viagem - 2007)



Posso respirar
metade do ano,
posso esquecer
metade do texto.

Bem no meio do posso

flor-do-cerrado



Tenho uma coragem enorme
 sou mulher

Tenho um medo enorme
sou menina feita
da violência do parto rasgado
dos seios de pingos escassos

Tenho uma coragem enorme
de fêmea maldita
de vaca profana com tetas mordidas

Tenho uma violência enorme
que carrego entre os dentes

Todo medo e coragem do mundo
carrego entre as pálpebras
entre mães-coragem
entre mães com medo
que gotejam
que escorrem
escassas


 [da violência dos genes, dos territórios, da violência que herdamos]

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

manifesto da criança que há

E se o meu trabalho quando escravo fosse também poético e humano o meu salário solidário ao som de Beethoven que não grita mais E se não empilhasse mais não carregasse mais não suportasse mais e se eu tivesse planos de ser palhaço e astronauta como Freud em seu novo bambolê e se eu pudesse ter um novo cargo na nova sessão secretaria superintendência de assuntos corriqueiros e pequenas mentirinhas e que pagasse bem pra eu comprar petecas mexericas e lençóis novos tudo orgânico e furtacor e se não precisasse mais de compras coletivas depilação revelação peeling de pólvora e se eu pudesse ter um rosto talvez um corpo talvez dançar e não ter o que revistar registrar recomendar ter uma banda de acid jazz tragar um charuto cubano vivendo de china in box e não de work in progress e não decorar o novo acordo ortográfico decorar o velho hino nacional dos parnasianos eu poderia decorar a casa com flores artificiais e comestíveis se não tivesse que empilhar emendar entulhar poderia ler sobre a idade média e seus vícios ler uma biografia desgraçada sobre Sylvia Plath e Ted Huges coitado e ler sobre a física quântica enquanto faço a lótus invertida pudesse escrever de madrugada como um poeta insone e se tivesse fome dormiria porque comer dói.




segunda-feira, 11 de junho de 2012

balada do porco-herói

Sequestraram a princesa!
menina rosa e diamante
ruas de pedrinhas de brilhantes
sem amor, sem dinamite

sequestraram a princesa!
morta há anos pela lei da selva
sem ninguém ouvir seu coração parar
forçaram seu riso, seu canto

dessa vez não tem sapo, não tem príncipe, menina
sobrou o ruído do porco, ecoando no corpo da realeza.




quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Abandono poético da menina


poesia é voar fora de aspas
quando a asa não sustenta o peso

poesia é voar dentro do corpo
assim não se deteriora o gesto

hoje estive sozinha demais
em silêncio demais
hoje meus poemas são pequenas redomas
                                                  remendos
                                                  espectros da poesia que vivi.

que me desculpe Manoel, mas poesia é voar dentro.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Pour petite julie

julie é a menina que deitou os ovos no prato
juntou as cores pra guardar no bolso furado
julie é a menina que encurtou cabelo pra dentro
e aumentou de tamanho o rasgo do dente da frente

hoje ela dança balé mesmo sem saber voar sentada
as vezes distrai um sorriso calado, tímido
tem uma voz de algodão agridoce
e grita pra espantar a amargura dos espinafres da vida,
das rúculas angustiadas de tanto verde.

[julie é uma dessas crianças que nascem poetas e se distraem as vezes com betoneiras gigantes
mostrando pra gente a urgência das coisas em se tornarem brinquedos.]



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

aqueles dois (exercício para um poema deitado)

aqueles dois entre gavetas duas gaivotas adoecidas duas paisagens cor de mel aqueles das teclas soltas no tempo confinados no tempo das camisas e gravatas endireitadas de suor sublimado do desejo de suar mais um pouquinho dois homens e vinis entre violões mudos corpos mudos borbulhantes de sublimação entre os anos de digitais e contabilidades infiéis aos números menos imaginários e naturais aqueles conjuntos vazios de poesia e de asas do poeta que fazem rastejar o que era pra ser dançado então vem o mofo das relações burocráticas e corrói aqueles dois corpos-gaivotas rastejantes de não poder voar dançar no quadrado cinza das gavetas dos arquivos públicos privados de poesia e de cor.

terça-feira, 28 de junho de 2011

congresso internacional para novos porcos e afins (exercício para um poema deitado)

menina não se esqueça de escovar os dentes podres que eu te dei antes de ir pra cama e ver seu pai foder a fada e enfiar a faca na geleia de amendoim que sai da sua boca tão pura tão seca não se esqueça de afogar o gato pra que o sapo venha e vire um príncipe bem jovem frio e calculista pra te cantar uma linda canção de guerra que fale de meninas e maçãs talvez de evas pra você dormir de bruços e acordar e morrer como faz todos os dias de manhã depois da primeira cicatriz depois de dar milho às galinhas de dentro do seu pequeno e jovem útero rosa onde você esconde suas pulgas e seus calafrios para o almoço que cozinha na varanda do galinheiro embaixo do porco que ri da sua dança do seu desespero de menina invadida.

Dieta para auto-deterioração das flores da cidade

cometa cidades,
ouça: (à)cidade respira
ácida deteriora e pinga
escorre/cida


suicidas modernas
as flores da cidade dilatada


Tudo podem naquele que se for.





quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

boca de ouro

o herói das gentes
carrega na boca o poema
da mocidade perdida
boca de ouro
sang'latino
como cão.

o herói das gentes
se curupira de verd'amarelo
samba a ferida de pé


o herói se macunaíma para o mundo
e desmunda tudo pelo lábio da mão



Soy loco por ti América
soy loco por ti mundocão.

Une chaise rouge


Uma cadeira vermelha
sentada na beira de mim
enxerga com veias
o subsolo da pele
a cadeira beira o movimento
mas silencia o passo


(,)
quieta estanca suas unhas sobre o chão.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Alice Maravilha

Alice da cidade maravilha
menina veneno
do mundo pequeno
seus braços estão abertos demais.

Alice maravilha
menina do morro
da toca
do vento
do sonho de vento.

Alice maravilha, teu terreiro, teu delírio.
Alucina-me.

Me desfaço dos aplausos
das luzes e da ação

a voz
a maquiagem
o texto escorreu 

e o artista da fome morreu de tédio.
Sentada na cidade
percorro seu corpo
suas curvas
sua pele cinza, dura.
Cidade que escorre
concreta de ser.
Células mortas
pela calçada
flutuantes delírios.
Escuto de longe a sua dor
preencho de asfalto seus poros abertos.

Como criar para si a cidade sem órgãos?
Da barriga pouco prenha
nasceu Maria Flor:
pequena de corpo
não fazia tamanho

Quando nasceu Maria Flor
não respirei sete dias
sete noites não comi
esqueci o sonho

Nasceu sem choro
mergulhou no mundo torto
deu de cara no chão:

Maria Flor ainda não sabia voar.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Monólogo para moças de fino trato

Rezam Bernardas em busca de muros,
in nomni patris
in nome do luto
no silêncio das coisas exatas,
Cantam Lúcias, Gertrudes e Madalenas (Tantas,tantas, tantas...)
o canto, lírico de culpas

Não vêem que estamos todas doentes?

Mãezinha, hoje montrosmergulhadores atravessaram os muros:
queimaram a porca acizentada e seus peixes de papéispardos.

Mas não acreditaria que eles atravessariam tão rápido
Contudo, não sou velha:
Um muro maior se erguerá, assim na terra como nos céus.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Lacrei todos os poros abertos nada entra além talvez o cheiro de poeira abatida não mais forçarei sorrisos pelas narinas QUERO GARGALHAR COM O CU
para o próximo ano nada de poros abertos ou poesias fechadas nenhuma fratura exposta em vão é como se enterrar na superfície agora superficial tão superfacial
farei também uma cópia da chave de casa

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O dia que a poesia morreu em mim.

"Devemos saber que surrar a esposa é uma punição pela lei religiosa islâmica. Ninguém pode impedir essa prática pois ela foi permitida pelo criador do homem.
Quando você compra um eletrodoméstico ou um carro, você recebe um manual, um catálogo que explica como usá-lo.
O criador do mundo mandou esse livro, o corão. Para mostrar ao homem os caminhos que ele pode escolher.
Nós não temos que ficar com vergonha diante das nações do mundo, que ainda estão na fase da ignorância e não aceitam que a surras sejam parte da nossa lei religiosa. (...)
O corão disse: Bata nelas. E esse verso é de uma natureza maravilhosa."

Homem islâmico em um sermão de sexta-feira na TV do Qatar.

pós ID

No verde-manso do papel
não vejo poros abertos de suor, ou
a afta que dissolve a língua
a unha que encrava o toque.

O verde-manso é raso e não sangra:
enumera estático o meu não-sorriso 3x4

[ grandes corpos não cabem em quadrados]

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Eumulher
Eupele
Eupela mulher
pela pele
pelo amor de deus, mulher.

[pelo amor à costela de adão, eufemininohoje.]

para Hilda Hilst

A porca-menina
criou asas de papel pardo.
Acabou chovendo,
acabou atriz.

[Não quero mais saber de coisa muito viva]

Porca ruiva, acinzentada:
castanho-loira.




E começam os planos
no papel sem tinta
da vida que finjo querer.

[coração em branco?]

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Nada como sair
e ventar por aí:
Cortar as peles
com arte
secar a língua
com poesia.

(O perigo mora dentro
e venta feito fogo.)
o passo que passa
que pé(de) paz
e dança o caos
que sobe ao chão
que desce ao céu.
(na horizontal me posso voar)
Girar
Saltar
gritar com os pés.
(meus verbos só sabem dançar)
O movimento
me faz corpo,
cores.
Tira o verbo
da língua
[e põe na pele.
(meu corpo é livro
livre)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Sobre amar.

Vivo a poesia deste momento.