quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O perfume de Maria Flor.

Assim como o nome, Maria Flor era meio mulher, meio vegetal. Falava que nem mulher e sonhava como vegetal. Vegetal que sangrava todo mês e nem sabia o motivo, mas fazia gosto de sangrar: a vida ficava menos amarela, de fato.
Numa revista, viu foto clássica de pintor com paleta e pincel em mãos. Arrepiou até a última pétala, quis ter cor de aquarela e perfume de violeta, por desconfiar que cheiro de mofo espantava sonho, tratou logo de usar o perfume (ganhado da antiga patroa) sempre antes de dormir. Era um pecado cometer tal luxo, o pecado do desperdício, que diziam ser o 8º Pecado Capital. Pouco ligava, se tornava mulher por inteira e conseguia sonhar.
Pra um semivegetal, sonhar era proeza das mais ousadas, quase falta de modos de tão absurdo, era a tela do pintor da revista em movimento.
Movimento também era coisa rara, vaidade.
Maria Flor não era feia, tinha sorriso.Motivo pra sorrir era o que faltava um pouco, daí tratava logo de dormir.
O problema foi não lembrar que perfume é coisa que acaba, mesmo com sonho.E junto com o aroma, foram as tintas, quadro e pincel.
Ficou o mofo.

De crescer.

Descobri que cresci quando parei de sonhar com discos voadores na minha janela.E quando não imaginava mais pra quem eu mandaria beijo no programa da Xuxa.
Também ao ver que chinelo de adulto não sobrava mais no pé, e, portanto não tinha mais graça.
Descobri que cresci, depois de conseguir terminar uma bala de Halls preto sem reclamar nadinha.
E quando me disseram que não precisava prender a respiração pra economizar ar no mundo, não faltaria.
Também, quando não tive mais assuntos pendentes com o chuveiro ciumento.
Percebi que cresci quando desisti de pintar o mundo.
E quando o giz-de-cera passou a lembrar imagens opacas e cada vez mais distantes.
Principalmente, ao explicarem que o arco-íris podia ser explicado, desmistificando a palavra fenômeno.
E ao ter o primeiro contato com a química, que sem pedir, teve a indelicadeza se de apresentar e tirar a magia das coisas-sem-magia.
Percebi, quando o instinto materno bateu na porta tão forte que ensurdeci.Mas cresci mesmo, foi quando me disseram, que amor não é de graça, é desgraça.