sábado, 30 de agosto de 2008

Sobre o que restou de lá

De longe
se podia ver
a dança do que sobreviveu.

A poeira na lembrança
de um quintal
sem dor ou pecado.

Ao longe se podia ver
nos olhos da menina
a dança de flores castanhas
de um passado vendido/roubado.
...Lá fora, cada vez menos são feitos milagres.

Das rugas e raízes

Podia ter o silêncio das rugas
e inventar palavra calada-de-luz,
mas só consigo examinar acentos
e assentar o verbo.

[podaram minhas raízes]
O princípio era o meio:

no caminho tinha a pedra
nas casas tinham grades
na chuva colocaram ácido.

O sentido era o fim.
Quantas canoas
é preciso
pra se fazer
uma floresta?
Quero levar da vida
o cheiro de giz-de-cera
e provar pra essa gente
que com infância
só se brinca.

Junho cantou

o meio do.
o meio do caminho.

Posso respirar
metade do ano,
posso esquecer
metade do texto.

Bem no meio do posso,
no onde.
Maria Flor aprende a tragar
pra queimar o tempo que sobra,
fingir que tudo se acalma
quando a fumaça balança o pulmão.

Até que se apague de vez.

como dizem as estátuas

Estou cansado do velho papo
dos jovens intelectuais
com frases que não cabem nos muros
[ou jornais.

Da covardia, maldizem.
Da coragem: só dizem.
Queria é ter asas nos sonhos
pra poder chover nas nuvens
e secar no varal.
São poucos os pássaros
que se encaixam em mãos.

[são muitas as mãos]
No tempo
ficam grudadas
as fotografias
que brotam dos olhos.

[A memória me queima saudades]

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Quero a suave insensatez
daqueles que cantam nos cantos
a dor das vozes-palavras
que pagam sentenças
com juros e corpos

Onde escondem o sangue largado
em ladeiras concretas?
No cetim das batinas?
No concreto do altar.
Nos timbres dos grandes corais.
Ou debaixo do ouro sagrado?

Levo a suave in sensatez
daqueles que fazem versos
sem abandonar na memória
a dor das carnes.
Eu cantei meu carnaval
antes que fizessem do som
aquilo que nao posso pagar

eu cantei meu carnaval
antes que dezembro virasse Natal
e fosse obrigado a dar de presente
a musica que nao vai de mim
o que samba nas veias dos sonhos
o que samba, o que sonha.

[No fim, ate a porta-bandeiras se cansa de rodar e sorrir.]
O fio da logica
me desafia as unhas.
E o que nao temo de calar:
daquilo que nao fujo
feito sombra no espelho do ego
Daquilo que a nossa vaidade
nao pode comprar:

o eco.
Desestruturar:
tirar do labio
o silencio que fede

desengolir o que nao digo
pousar no sol a consciencia
pra derreter de verdades viuvas
a cor da minha timidez covarde.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Se tenho a voz liberta ao grito
mãos trêmulas de liberdade:
estanco.
Se tenho a garganta empoeirada
o coração sem pausas
a aflição do vivo:
contenho.

Se posso dizer, não digo.
Se posso chorar, não choro.
Se posso cantar, não canto.
A covardia não pode rimar.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Dentro.

Tenho medo do dentro
do bem-guardado
que cheira mal.
Do dentro imóvel:
discreto-secreto-concreto
que não faz força
não tem vontade.

Não vejo o dentro
não toco o dentro
não mordo.

Das caixas
das casas
dos cofres
das cores
dos dias
o dentro.

Dentro não se sonha.

Antônio

Em seu chapéu de rugas
todas a manhãs maiores
todas a poeiras cantadas.

Em seu sol encardido de suor
da lavoura, do vapor:
o soar das vacas
dos ventos
e vultos de causos.

Ainda tenho medo do seu teto, Senhor.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

E cantam os versos
dos poetas de raízes de prédios
de marquises úmidas
em voz de pingos castrados do chão.
E cantam os versos ácidos e desafinados
roucos do grito implodido
nas esquinas das sílabas,
flutuantes sílabas.
Quando sai a noite
não se vende:
fantasia pecados.
Provoca, excita.
Não se vende.
E diz muda de tons:
- Violenta-me.
Volta pra casa,
mãos postas:
cansadas de Ave Maria.
Sangue feito de fogo
de fugas da paz.
Sangue-castigo
Pensonagem no corpo
Fervente de guerras.
Sou feita de rubro
rugas e aspas;
meu sangue é latino.
Fervo.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Ouro Preto.

Aqui na terra do sempre
do tempo que venta parado
da juventude mofada e intelectual:

viverei-mofarei-morrerei.

Cidade das cores
janelas
e pedras.

Do ouro? Nem o cheiro.
Do preto? a dor dos dias,
o sangue-suor
e algum perdão.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Pano-de-chita na mesa, cabelo num fio de feijão e cheiro de biscoito mofado. A casa.
Maria Flor lê jornal da semana de ontem, pra esquecer do futuro que nunca vem.
Lhe disseram que Minas é mais que amarelo-e-mofo, é estrada deitada de morros, azuis colados de cima, mas a diferença não se fez.- se afoga no solo anêmico do teclado terminal na vitrola, na poeira.
Maria Flor é feito sangue fingido que desce pro ralo.
Meninamoça que tempera a cozinha cheia de cheiros, mulher.
Já dançou escondida do espelho, que só faz dedar a vergonha de ser.
É nua, é crua dos sonhos próprios que mastiga.
A verdade é que me apaixonei dos dias por Maria Flor, a verdade é amor, talvez só pra rimar.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Mastiguei
mordi
engoli
vomitei
descobri:

Orgulho não se come.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Lisbela:
moça vadia
vendia prazer
vendia alegria.

Brincar de corpo;
um brinde à.
Parece
que parede
cansou de prego.

Estupro em concreto dói.
Imaginação
foi alma
de giz-de-cera.
Imaginação é.
De janela
Benedita não
se cansa,
e sonha
e sonha.

Benedita não sabe sorrir, hoje.
A cantiga
despertou
em sol maior.

Fiquei cega de ouvido.
Três meninos
correm no verde,
na chuva.
Tem nome sim:
é liberdade.
cara-de-choro
espantou
solidão.

Todo mundo gosta
é de uma pequena desgraça.
Andei
descalço
num céu-de-chão:

pés sujos de azul.
se ofender
é vaidade
da verdade
é doer de si.
Abri cortinas
de palavras
o sol me cortou
a sí-la-ba,
rasguei o pano
do verbo:
fiquei nua de letras.